Crise fiscal do governo barra medidas pró-inovação
que melhorariam economia.
Fórum Econômico Mundial discutiu temas como o rombo das contas públicas o sistema tributário brasileiro.
4/10/2018 16:22 - ACidade ON - Folhapress
ÉRICA FRAGA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
O encontro de verão do Fórum Econômico Mundial no hemisfério norte levou
um público recorde à China na terceira semana de setembro. Dos 2.500
representantes de mais de 100 nações que estiveram no evento, apenas 9 eram
brasileiros.
Enquanto os rápidos avanços da tecnologia e seus impactos eram
discutidos no país asiático, o debate econômico da campanha presidencial no
Brasil girava em torno de medidas para reduzir o rombo das contas públicas e
simplificar o sistema tributário.
A atual pauta eleitoral explica, em grande medida, a baixa participação
do país em encontros como o realizado na China. Com o estrangulamento fiscal do
governo e a asfixia do setor privado, tem faltado espaço para a discussão, o
desenho e a implementação de medidas que impulsionem a inovação e aumentem a
eficiência da economia.
A demora em encarar questões como os limites dos gastos públicos, a
baixa eficácia de algumas políticas de subsídio e os efeitos nocivos da
burocracia excessiva ajudou a mergulhar o Brasil na severa recessão que se
estendeu entre 2014 e 2016 e contribui para que a atual recuperação seja a mais
lenta da nossa história.
Especialistas acreditam que a gravidade da situação forçou a maioria dos
candidatos a reconhecer que reformas estruturais são essenciais para que o país
volte a crescer de forma sustentada.
"No passado, a preocupação com esses assuntos era restrita a um
pequeno grupo de economistas. Não reverberava", diz Zeina Latif,
economista-chefe da XP Investimentos.
Para Zeina, as discussões atuais são um avanço e foram impulsionadas, em
certa medida, pela transparência com que a equipe econômica do atual governo
tem tratado certos temas.
"Gostando ou não do [Michel] Temer, houve uma coragem política,
impulsionada pelo time econômico, de colocar a previdência no debate
público", afirma.
O perfil demográfico da população brasileira tem mudado rapidamente na
esteira do aumento da longevidade e da desaceleração da natalidade. A expansão
do número de aposentados em um contexto de ingresso mais lento de jovens
contribuintes no mercado de trabalho contribui para o déficit da seguridade
social. A crise do mercado de trabalho com alta do desemprego e da
informalidade pioraram a situação.
Ainda que divirjam sobre a melhor forma de resolver o rombo galopante, a
maior parte dos postulantes à presidência defende algum tipo de mudança.
"A elite da classe política já entendeu que não há como não ter uma
reforma da Previdência", diz Zeina.
Outro
sinal de amadurecimento do debate público, segundo especialistas, é o
reconhecimento da necessidade de reforma do intrincado regime tributário
brasileiro.
Embora todos
os aspectos do ambiente de negócios do país apresentem sérios problemas, em
decorrência da burocracia excessiva, o quesito em que o Brasil aparece pior
colocado em um ranking do Banco Mundial é o tributário, na 184ª posição entre
190 países.
Mudanças para simplificar o regime brasileiro são defendidas por alguns
economistas há muito tempo e já foram alvos de tentativas fracassadas de
reforma. Mas a atual campanha imprimiu
pela primeira vez um tom de urgência ao tema, com um consenso em torno, por
exemplo, da substituição de alguns impostos por um único tributo nacional sobre
o valor agregado a cada etapa de produção ou comercialização.
Para o economista Mauro Boianovsky, o pano de fundo dos pontos de
convergência é a constatação de que o país precisa criar condições para
crescer, interrompendo a trajetória de voos insustentáveis das últimas décadas.
"O
debate atual sobre os limites da capacidade de gasto público e as dificuldades
para a retomada do investimento privado tem se dado no contexto do crescimento
de longo prazo. Isso é positivo", diz o pesquisador de história do pensamento
econômico da Universidade de Brasília.
Segundo Boianovsky, algumas campanhas passadas foram dominadas por temas
de curto prazo, o que nem sempre denotava compromisso com a estabilidade
macroeconômica.
"Parece haver agora, por exemplo, um consenso maior de que a
inflação é inaceitável", afirma.
O problema, segundo economistas, é que ainda faltam clareza e realismo a
muitas propostas, o que cria incertezas em relação à estabilidade e à retomada
do crescimento.
"O que preocupa é que todos estão no palanque. Algumas propostas
são só metas, outras são ingênuas. O diabo mora nos detalhes", diz Zeina.
Entre os líderes das pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL), Ciro Gomes (PDT) e
Geraldo Alckmin (PSDB) afirmam ainda que com propostas diferentes que irão
eliminar o déficit fiscal em pouco tempo. Mas o prazo de um ou dois anos que
prometem é considerado pouco factível, já que muitas das medidas dependem de
mudanças na legislação e amplo apoio político.
O programa do PT de Fernando Haddad é vago ao reconhecer a existência do
problema fiscal, e propor sem maiores detalhes um novo modelo para garantir o
equilíbrio das contas públicas e retomar o crescimento.
Especialistas acreditam que a forte polarização política que marca a
atual campanha presidencial pode estar impedindo que as propostas avancem além
do debate genérico. Mas ressaltam que o início do próximo do governo seja quem
for o presidente eleito precisará ser marcado pelo anúncio rápido de medidas
comprometidas com reformas.
"Não
existem milagres em economia. É uma fantasia achar que você vai conseguir
manter a inflação baixa sem sinalizar com clareza como vai tratar a tendência
explosiva da dívida pública", diz Otaviano Canuto, diretor executivo do Banco
Mundial.
Para o economista, o setor privado não voltará a aumentar investimentos
no Brasil se não houver a apresentação de um programa de ajuste fiscal
detalhado e crível.
"Nosso potencial de crescimento no futuro imediato é reduzido pela
anemia de produtividade", afirma Canuto.
Desde a década de 1980, a eficiência da economia brasileira cresce a um
ritmo pífio. Segundo dados da organização The
Conference Board, a produtividade do trabalho no país ficou praticamente
estagnada nas últimas 4 décadas, resultado que contrasta com o desempenho de
muitos outros países. No mesmo período, por exemplo, o indicador teve expansão
média anual de 2% no Chile, 4% na Coreia e 1% na Austrália.
"Os países que saíram do nível de renda média e se tornaram mais
ricos foram os que conseguiram diminuir o hiato de produtividade com os Estados
Unidos, que é, em média, o país mais produtivo", diz o economista José
Alexandre Scheinkman, da Universidade Columbia.
Parte da receita desse processo de convergência nem entrou para valer no
debate eleitoral. Ela passaria, segundo especialistas, por uma maior abertura
comercial e a adoção de medidas para recuperar a defasada infraestrutura do
país, sofisticar a pauta de exportações e estimular a inovação.
A ausência dessa agenda nas discussões domésticas é simbolicamente
ilustrada pela baixa presença brasileira do país em reuniões internacionais
como a que acaba de ocorrer na China, batizada de Encontro Anual dos Novos
Campeões.
"Por mais relevante que seja a questão fiscal, quando acompanhamos
os debates em fóruns como esse, fica claro que estamos discutindo, ainda muito
mal, uma agenda do passado", afirma Jorge Arbache, secretário de relações
internacionais do Ministério do Planejamento e único palestrante brasileiro no
encontro recente do Fórum Econômico Mundial.
Para o economista, é importante equacionar o problema fiscal sem perder
de vista que a política pública tem um papel importante no desenho de soluções
para aumentar a competitividade.
Erros de desenho e implementação de iniciativas desse tipo no passado
não deveriam, segundo ele, ser motivo para uma redução do governo a um papel
minimalista na economia.
"Vivemos em uma economia global de altíssima interdependência,
muito mais complexa do que em qualquer outra era. Para termos sucesso, é
fundamental a combinação entre políticas públicas e privadas", diz
Arbache.
O economista ressalta que a demora do país em solucionar os problemas
que hoje sufocam o país elimina a possibilidade de que eles sejam tratados de
forma sequencial.
"Não há mais tempo para isso. Precisamos atacar os problemas do
passado e do presente ao mesmo tempo", conclui. A expectativa de
especialistas, agora, é que, nas discussões do segundo turno, as discussões
genéricas se tornem mais detalhadas e amplas.
FONTE: JORNAL CIDADEON, edição de 04.01.2018 = ano passado.